domingo, 27 de outubro de 2013

Cenas de um Brasil pulsante

Instigado pelo caderno de Cultura do jornal Zero Hora deste sábado (12.10), que trouxe artigo do escritor carioca Paulo Scott, com o título de "Cenas de um Brasil que cansou", me obrigo a fazer algumas reflexões. Diferentemente de muitas postagens que leio, o autor toca num problema crucial da democracia brasileira que é a violência policial. Mas será que se trata de um "Brasil que cansou"? Parece-me uma leitura bastante superficial, a exemplo do "Brasil que acordou". Estas visões são equivocadas, como há equívocos sobre a análise da violência, por sua generalização.

Não se trata de um País que cansou, muito menos de uma nação que estaria acordando agora. Trata-se de um País de novas oportunidades. Nosso povo se beneficiou dos programas Bolsa Família, Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, do crédito consignado; ingressou na sociedade de consumo. Devolvemos à sociedade uma classe que antes parecia não existir, mas que agora reivindica o direito de também dar a sua opinião.

Como bem lembrou Leonardo Boff em artigo publicado na Carta Maior em junho deste ano, o ideal democrático de ir além da democracia representativa e chegar à democracia participativa sempre estiveram presentes no ideário dos movimentos sociais, das comunidades de base, dos Sem Terra, entre outros. Faltavam-lhes, no entanto, os instrumentos para implementar essa democracia universal, popular e participativa. E o instrumento foi dado pelas várias mídias sociais. Todos agora têm um meio de manifestar sua opinião, agregar pessoas que assumem a mesma causa e promover o poder das ruas e das praças.

Mas, voltemos ao artigo, ilustrado por uma foto de um confronto entre policiais e manifestantes na frente da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, durante a longa greve dos professores. Antes de qualquer análise, é preciso distinguir as "várias" polícias brasileiras. Dentre as principais, a paulista que pôs "fogo" para eclodir as "jornadas de junho" e esta do Rio que desaparece com o Amarildo, numa UPP.

A leitura das manifestações feita pelo escritor carioca é de que o parlamento não presta. Simples, achou a “Geni”. Prefiro acreditar que as pessoas não cansaram, pois quem está cansado não vai à luta. Graças à democracia é que as manifestações existem. Nestes 11 anos de governo Lula e Dilma, nosso compromisso sempre esteve pautado no desenvolvimento sustentável e na erradicação da extrema pobreza, com consolidação do novo modelo de desenvolvimento, centrado no fortalecimento do mercado interno, na geração de emprego e na distribuição de renda e nos investimentos. Apesar da crise econômica global que atinge, especialmente, os países da Europa e os Estados Unidos, o Brasil tem condições de manter sua trajetória de crescimento, sem desequilíbrios fiscais, inflacionários ou externos.

É preciso fazer um mea-culpa e afirmar que os nossos governos e todos os outros não deram, no tempo e na medida certa, a atenção às filas em busca da saúde, às pessoas apinhadas nos ônibus, com seus atrasos, ao preço alto das passagens. Os professores aqui e lá querem mais, e merecem mais. Os carteiros e os bancários também. O jovem que ganhou Bolsa do Prouni quer ir para a Faculdade sem ter que se espremer no coletivo. O jovem do Pronatec também. O outro que conquistou seu primeiro emprego também. O trabalhador que agora tem carteira assinada e conseguiu a sua moradia pelo Minha Casa, Minha Vida, quer que seu filho seja atendido na hora no posto de saúde, mas faltam médicos. Médicos não querem trabalhar na periferia das grandes cidades. Imagina nos rincões do país. Por isso, o pulsante debate sobre o Programa Mais Médicos.
Este é um Brasil acordado, que não se cansa de se movimentar.

Como não apoiar uma menina de pouco mais de 20 anos que nunca saiu à rua para reivindicar, que só viu inflação de menos dois dígitos? Como não apoiar um garoto de classe média que nunca ouviu os brados de Fora o FMI? Planos para acabar com inflação sem fim, Fora Collor e neoliberalismo são coisas de livros. É claro que eles têm direitos. Nós devemos mais a eles.

Agora, como pode uma Polícia reprimir passeatas e reivindicações justas? É erro grosseiro de seus governos e comandantes. Mas vamos discutir a passeata do Rio antes das nossas. Pelo que vi na TV a passeata dos professores, no dia 28 de setembro, foi tranquila. Mas, ao final dela, vieram os mascarados, os anônimos, os caras tapadas, os black blocs, os vândalos, os ladrões e a turma incentivada pelo narcotráfico, numa nova tentativa de invadir a Câmara, depredar tudo o que havia pela frente, e fogo, fogo, fogo. E se a Polícia não reagisse?

Já a maneira de reagir, a forma de defender o patrimônio público e o direito de ir e vir é pauta para outra reflexão. Todo excesso deve ser combatido, mas sobre isto o nosso autor se cala. Conheço menos do que deveria sobre táticas de combate a estes atos. A Polícia do Rio, como já disse, não é um bom exemplo. Mas a pergunta que fica: deveriam deixar o vandalismo tomar conta? O autor se cala.

Vamos aos fatos de Porto Alegre. Eu dirijo o PT local, impulsionei o debate sobre o transporte público. Nossa juventude, organizada, foi às ruas demandar não apenas passagens mais baratas e ônibus nos horários. Lutaram, também, por uma reforma política. Quem rasgou nossas bandeiras? Quem nos agrediu? Certamente não foram militantes da democracia. Foram sectários.

Já em junho, quando foram desencadeados os primeiros grandes atos, ficou evidente que havia vandalismo. Sujeitos infiltrados na multidão com claros objetivos: roubar, saquear, fazer arruaças, quebrar estabelecimentos, colocar fogo em ônibus da Carris, queimar contêineres. Muitos foram apenas para protestar contra este ou aquele jornal. Legítimo. Também foram às sedes partidárias para demonstrar oposições às suas teses ou seus governos, mas no nosso caso foram com maçarico para botar portas abaixo. Imaginem se o governador não tivesse mandado a Brigada proteger certos espaços. No dia seguinte, pediriam seu impedimento, ou não? Tanto a direita raivosa quanto os esquerdistas anarquistas queriam isto. Fizeram de tudo para que houvesse fogo e invasão.

Agiu certo a Brigada Militar em alguns pontos das manifestações? Não, erraram várias vezes, algumas por precipitação, outras por omissão. Agiram pouco quando a Catedral Metropolitana e o Museu foram atacados. Estas são análises com os pés no chão. Quem quiser olhar para o futuro com tranquilidade, deve analisar o passado, os fatos, como eles são. Não comungo com o escritor Paulo Scott quando diz que o povo não é tão pacífico assim, que é capaz de tirar em quem votou ou confiou.

Primeiro, porque os anarquistas não votaram em ninguém, alguns partidos do esquerdismo sequer elegeram um representante. Este é o Brasil pulsante, contraditório, com laivos de clarividência, mas também com uma propensão grande ao esquecimento. Aqui, no Rio Grande do Sul, poucos tiveram coragem de escrever, de se manifestar, a não ser com o tradicional maniqueísmo grenalizado tão comum a nós, gaúchos. O Passe Livre virou Lei. O metrô virá para desafogar vias. E aos manifestantes, é bom que se tirem as máscaras. De cara limpa, é mais fácil. Afinal, quem tem medo da democracia?

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