terça-feira, 25 de junho de 2013

Os anos dourados na Praça da Alfândega

Quem cruza hoje pela Praça da Alfândega - ainda em reforma – não deve imaginar que no local onde estão as duas pomposas sedes do Banrisul e Caixa Econômica Federal houve um boteco e point de encontro para prostitutas que ficavam por ali nos fundos da Sete de Setembro.

Os cinemas da redondeza aglutinavam multidões nas noites e especialmente nos finais de semana.  E tinha a Matheus, sim a Confeitaria, que depois se mudou para a Borges e parou por ali. E é claro o espaço mais chique e badalado da cidade: o Clube do Comércio, onde os bailes de debutantes eram ‘o acontecimento’ e seus convites eram disputados a tapa.

Isto e muito mais você vai encontrar no livreto ‘Os anos dourados na Praça da Alfândega’, editado em 1994, pela Artes e Ofícios, de autoria de José Rafael Rosito Coiro. Já falecido, sabia escrever como poucos. Foi um grande professor de Biologia no Julinho e contribuiu enormemente para a área acadêmica da UFRGS, escrevendo artigos e contos de ficção científica.

Se você sabe pouco sobre os anos 50, 60 e 70 em Porto Alegre e quer entender a época, os costumes, os valores, a leitura é obrigatória. A publicação conta histórias de figurinhas carimbadas da vida noturna da cidade. As histórias de personagens conhecidos no Brasil inteiro misturam-se com figuras anônimas que frequentaram o ambiente da Praça, revelando o rico cotidiano de uma cidade que se esforça para não esquecer seu passado.

O preconceito era brutal contra "gaúcho", especialmente aquele que vinha com sotaque de interior e vestia traje tradicional. Hoje o que aplaudimos, naquela época era motivo de chistes e agressões. Coitada das "bicha" como eram chamados os homossexuais de então. Alguns furaram bloqueios e se juntaram a turma de boas vidas, de boêmios, de provocadores ingênuos (às vezes nem tanto) do Coiro ali na frente do Clube do Comércio. O China Gorda é um bom exemplo, conhecido também pelos seus dotes culinários.

E quem não conheceu ou não ouviu falar da grande jornalista e dama avant guarde Gilda Marinho, que morava no Edifício do Clube do Comércio. Há um relato marcante de como ela dobrou a conservadora sociedade gaúcha. Era de uma genialidade ímpar e sabia curtir a vida como ninguém. Dizem que o galante prefeito Loureiro da Silva - não está no livro - tinha uma paixão por ela.

Mas quero voltar ao grosso do conteúdo destes anos dourados, de como era a vida dos adolescentes, a sua iniciação sexual, a relação com os cabarés - frequentados, muitas vezes, apenas para dançar e beber. Como era penoso para as moças de então que tinham que conservar a virgindade para casar e não serem mal faladas.

Tem relatos incríveis sobre os metidos da época, os endinheirados e esnobes, cujas famílias não souberam fazer os filhos pensar e trabalhar (e às vezes, estudar), caindo na decadência financeira.  Os idosos há muitos anos são os donos desta Praça, e reforço não é ruim. Mas perdemos muitas personagens fantásticas e esquisitas, sobrou muito corre-corre, vendedores ilegais, sujeira e árvores mal cuidadas.

Com este relato rendo minha homenagem ao autor e aos que povoaram a Praça, sonharam e viveram esta Porto Alegre, que merece ser resgatada, para podermos fazê-la melhor.

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