segunda-feira, 24 de junho de 2013

A Onda Conservadora e a Instrumentalização Anti-Democrática das Redes Sociais

Ilton Freitas
Prof. Dr. em Ciência Política

Na versão alemã de 2008 do filme “The Wave (A Onda)” - baseado em fatos reais ocorridos numa escola na cidade de Palo Alto/USA, em 1967 - o professor de história após discorrer sobre as condições que produziram a ascensão e o apoio da população ao nazismo na Alemanha, nos idos de 1930, faz uma indagação à classe. Pergunta o professor se aquela nefasta experiência política poderia ser reproduzida nas sociedades contemporâneas. De pronto os alunos negam essa possibilidade. Argumentam que na atualidade os jovens são mais instruídos e que não se deixariam iludir por ideias ou lideranças anti-democráticas. Sentindo-se desafiado a testar seus alunos, o professor por meio de técnicas de persuasão convida-os a ingressarem num movimento pela melhoria da qualidade da escola. De modo sistemático e persistente o professor passa a sugerir aos alunos que o movimento deveria adotar algumas “ideias“ sintetizadas nas palavras disciplina, comunidade e poder. Mais adiante o movimento deveria adotar um nome, um emblema, uma saudação e um uniforme padrão! No filme tal qual nos acontecimentos reais em Palo Alto as coisas não terminam bem!

Deixando de lado a sinopse da bela e perturbadora película, inquiro se seria possível no Brasil contemporâneo retrocedermos a uma ditadura, ou - o que dá no mesmo - para um regime de exceção sem partidos e parlamento? Qual a direção que tomam as manifestações em nosso País nesse momento? Em que consiste a novidade da “sociedade em rede“ para fins políticos na contemporaneidade, em particular no caso brasileiro? É crível que as manifestações organizadas e mobilizadas pelas redes sociais carecem de direção e sentido programático? Há um núcleo de bom senso nas manifestações?

Começando pelo fim. Creio que o núcleo de bom senso nas manifestações hegemonizou o movimento até a primeira quinzena de junho. Posto que foi nesse momento que o MPL (Movimento pelo Passe Livre) conduziu as manifestações em torno de uma reivindicação com objeto determinado, justa e imediata, ou seja, o não aumento das tarifas do transporte coletivo, combinadas com denúncias sobre a precariedade da mobilidade urbana em nossas cidades. Até então a mídia de massa dava relativa ou pouca importância às manifestações, mas na capital paulista exortava o governo tucano a reprimir com violência o movimento, no que foi atendida!

Ocorreu que com a descontrolada repressão policial ao movimento a partir de São Paulo, irradiou-se uma enorme onda nacional de solidariedade e em defesa da livre manifestação da população! A partir desse momento houve uma conversão de sinal nas manifestações! Isto é, do campo democrático e popular desgarrou-se para o campo do conservadorismo, da reação, e do questionamento das instituições democráticas e de representação da sociedade brasileira. Por seu turno, estabeleceu-se uma divisão política de tarefas.

À mídia, coube a direção subjetiva (lúdica) e programática do movimento com o apoio à cruzada moralista contra a corrupção, e aos movimentos de extrema direita nas redes sociais (change brazil/anonymus/etc.) cumpre a tarefa de mobilizar, radicalizar e exortar os manifestantes contra o governo federal, os partidos de esquerda e as organizações populares. Servidores privilegiados de estado emprestam seu prestígio à onda conservadora tendo em vista interesses corporativos (justificados ou não) contrários à PEC 37. Portanto, o núcleo de bom senso das manifestações foi reduzido e perdeu o controle. A tênue esperança de debater o déficit de representação nas democracias contemporâneas involuiu de patamar, pois o debate da representação politica aponta para mais democracia e não para menos! Está claro que não é essa a agenda do campo conservador!

Sempre defendi a partir de estudos acadêmicos que a internet representava um novo patamar comunicacional para a humanidade. E nesse sentido ter acesso à rede deve ser compreendido como um novo direito social. Num certo modo a internet representa a possibilidade de renovação da esfera pública, posto que a opinião pública contemporânea foi colonizada pelas empresas midiáticas de massas, sobretudo a televisão. Contudo, a web 2.0 e suas redes sociais a destarte de permitirem uma maior circulação das informações vem se demonstrando muito menos como um ambiente de conversação cívica, e muito mais como um veículo de mobilização coletiva. Desse modo cumpriu um papel progressivo nas mobilizações contra os regimes autocráticos árabes, que resultaram na “primavera árabe”, nas ocupações de praças públicas nos EUA e na Espanha contra o desemprego e o capital financeiro, no Chile contra a privatização do ensino superior, etc.

Todavia, sabemos que o sentido de qualquer mobilização não é indeterminado. Seja por meios tradicionais, seja por meios virtuais as mobilizações políticas perseguem objetivos favoráveis ou contrários ao establishment. No caso brasileiro as manifestações anti-establishment, conformaram-se no momento claramente à direita. Há uma reproposição dos termos clássicos da disputa política unidimensional, ou seja, direita versus esquerda. É necessário compreender que as redes sociais não são infensas ao debate em momentos de crise política, ou seja, os internautas individualmente ou em coletivos serão mobilizados por distintos projetos políticos. Ainda mais que por mais que exaltemos o neo-individualismo virtual, é patente que para lograr uma ação coletiva é necessário uma direção política consciente dos objetivos a serem alcançados. A novidade que essa direção política não se traveste de partido políticos, mas em ondas hertzianas por meio do espectro televisivo, e através da digitalização pelas redes sociais.

Há em nosso País uma clara tentativa de desestabilização (bloqueio de estradas, depredações, etc.) de um projeto político de centro-esquerda que chegou ao poder democraticamente, e que conta com o apoio de amplos setores da população brasileira. Setores que por óbvio não se veem representados pelos golpistas midiáticos, e pela extrema direita dos Anonymus e dos Change Brazil! A presidenta Dilma respondeu bem aos protestos ao condenar com firmeza o vandalismo e colocar-se disponível para dialogar. Além disso, convocou prefeitos e governadores para discutir um plano de mobilidade urbana. Também respondeu bem as necessidades da área da saúde por mais médicos, e repautou o anteprojeto de lei de aplicação das riquezas do pré-sal para a educação. Registre-se que o Brasil profundo de milhões e milhões de homens e mulheres beneficiados pelas políticas sociais do governo federal, assiste de longe as manifestações. Até quando não sabemos!

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